segunda-feira, 8 de abril de 2013

GRAFITE E PIXAÇÃO ....


Matéria compartilhada co Caderno G / Gazeta do Povo




Marcelo Andrade / Gazeta do Povo
Marcelo Andrade / Gazeta do Povo / O rosto ainda incompleto do cantor Ray Charles divide a paisagem com pichações no muro: um agrada bem mais que o outroO rosto ainda incompleto do cantor Ray Charles divide a paisagem com pichações no muro: um agrada bem mais que o outro
CURITIBA

Quando o crime vira arte nas ruas

Grafiteiros usam a mesma linguagem da pichação para aprofundar a relação do curitibano com a sua própria cidade
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08/04/2013 | 00:09 | CRISTIANO CASTILHO
É batata. Convide alguém para caminhar pelo Centro de Curitiba, na altura do encontro das ruas Marechal Deodoro e Conselheiro Laurindo e aguarde. Dedos irão apontar para o prédio que está recebendo um grafite gigantesco. Mesmo que ainda só exista metade de um Ray Charles, ninguém repara na pichação que cobre o muro e o portão do estacionamento do mesmo prédio.
A cena é perfeita para reforçar, mais do que a ojeriza à pichação, as possibilidades de utilizar o grafite para o bem da cidade.
Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo
Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo / <b>Conheça a equipe Motion Layers</b>: O projeto Motion Layers tem quatro integrantes. Na foto, da esquerda para a direita, o colaborador Luiz Fuja, e os artistas Eduardo Melo (o Artstenciva, que já mostrou trabalhos de arte urbana na Alemanha e na França), Leandro Lesak (o Cínico, que atua como designer e ilustrador e foi um dos fundadores, em 2008, do Espaço de Arte A Casa) e Celestino Dimas (que já expôs no Museu Oscar Niemeyer e Museu de Arte Contemporânea). Cada um deles vai pintar um prédio de Curitiba individualmente e todos assinarão outro, coletivamente.Ampliar imagem
Conheça a equipe Motion Layers: O projeto Motion Layers tem quatro integrantes. Na foto, da esquerda para a direita, o colaborador Luiz Fuja, e os artistas Eduardo Melo (o Artstenciva, que já mostrou trabalhos de arte urbana na Alemanha e na França), Leandro Lesak (o Cínico, que atua como designer e ilustrador e foi um dos fundadores, em 2008, do Espaço de Arte A Casa) e Celestino Dimas (que já expôs no Museu Oscar Niemeyer e Museu de Arte Contemporânea). Cada um deles vai pintar um prédio de Curitiba individualmente e todos assinarão outro, coletivamente.
A céu aberto
Há sete anos, evento em São Paulo promove “festa do grafite”
Aproximar o grafite da vizinhança desconfiada, tentar fazer de um muro cinza e “separatista” uma mancha colorida e acolhedora. Essa é a proposta do Dia do Graffiti, evento que aconteceu ontem pelo sétimo ano seguido no bairro do Bixiga, em São Paulo.
Do meio-dia às 21 horas, a Rua 13 de Maio foi fechada e muros previamente “negociados” foram grafitados. “Promovemos uma ocupação artística do bairro. É uma arte de celebrar a rua, viver o espaço público. O grafite se tornou uma ótima desculpa”, diz Cristiano Scabello, um dos organizadores.
A recepção é a melhor possível. Cristiano diz que as pessoas, cada vez mais, estão interessadas em liberar suas fachadas. Assim, compreendem melhor a diferença entre grafite e vandalismo. “Pichação é um ativismo cultural, não é arte. O grafite é algo que contribui para o bem-estar social”, define Scabello. Cinco mil pessoas participaram do evento.
Tecnologia
Google lança programa para “juntar” artistas e donos de muros livres
Deixar um muro à disposição de grafiteiros já é possível em São Paulo. No dia 25 de março, o Google lançou o projeto Color + City (“cidade + cor”, em tradução livre). A plataforma une dois outros produtos do grupo: a rede social Google Plus e o Google Maps, serviço de mapeamento das ruas da cidade.
Ao acessar o site www.colorpluscity.com.br, o usuário deve escolher se quer se cadastrar como titular de um imóvel – e autorizar que seu muro esteja à disposição de qualquer artista interessado –, ou se inscrever como um artista em busca de um muro para realizar a intervenção.
A página inicial mostra um mapa da cidade de São Paulo, no qual “pins” (marcações) de cores diferentes indicam a localização de muros incluídos no projeto. Conforme a cor da marcação, os muros são divididos em três categorias: disponíveis para intervenções, reservados por algum artista ou já finalizados por algum grafiteiro.
Historicamente as duas formas de expressão fazem parte da mesma linguagem.
“É tudo uma coisa só porque as raízes e as motivações são as mesmas. E o nosso público é todo mundo”, diz Celestino Dimas, um dos integrantes do projeto Motion Layers – contemplado via Lei Municipal de Incentivo à Cultura – que irá colorir quatro prédios até o fim deste mês.
Os três artistas – Dimas é acompanhado por Eduardo Melo, o Artstenciva, e Leandro Lesak, o Cínico – são unânimes em dizer que a pichação não irá acabar por causa de uma lei, justamente porque é uma forma de expressão que envolve, além da intervenção no muro alheio, que é crime, questões mais complexas, como a necessidade de pertencimento e de autoafirmação. “Se quisessem desestimular, teriam que ignorar”, sugere Dimas.
Então, aproveitar o talento dos artistas para o bem da cidade talvez seja a saída menos dolorosa. Mas nem sempre é tão fácil. Há uma coincidência entre dois proprietários de prédios que aceitaram a ideia, sem pestanejar: o “estrangeirismo”. Um dos lugares é um hotel, cujo gerente é português. O outro prédio fica na Rua XV com a Tibagi: o dono vive em contato com o filho, que mora em Los Angeles. “Em Curitiba é um começo, mas tivemos uma recepção muito boa com esse projeto”, comenta Dimas.
O objetivo maior, além de destruir o “ego autoral” dos pichadores, que passam a trabalhar em equipe por um bem comum, é transformar a relação dos habitantes com sua própria cidade. “O grafite desperta o convívio, faz com que as pessoas se sintam mais donas do espaço público, que passou a ser o lugar dos carros. É uma retomada de uma cultura mais afetiva com a cidade, além de ser um avanço técnico e estético em relação à pichação.”
Prova disso é o comerciante Marcos Marins, 48 anos, pedestre atento, que interveio na conversa. “Parabéns pelo trabalho. Isso traz mais vida para a cidade e é bem melhor que outdoor de loja e propaganda política”, disse, apontando para o meio Ray Charles.
“Domesticar” a intervenção não dá resultado
A tentativa de domesticação da arte de rua atrapalha a relação. Depender de autorização do poder público para expressar não está nos planos dos grafiteiros. A Fundação Cultural de Curitiba (FCC) promoveu nos últimos anos ações pontuais para atender a demanda dos artistas: o edital de 2006, que proporcionou a pintura dos viadutos do Xaxim e Alto da XV, por exemplo, e encontros de artistas no Solar do Barão, espaço “nobre” em Curitiba.
Roberto Alves, ex-coordenador de artes visuais da FCC, destaca que a função do poder público é fazer o “meio campo” para os artistas e que a base de tudo é a própria cidade. “Damos a chancela para o reconhecimento. Fazemos intermediação com espaços que querem ceder seus muros para a grafitagem, por exemplo, mas é impossível ter controle total sobre essa linguagem”, explica. Alves também não concorda com a “caçada” aos pichadores. “A repressão não pode ser uma resposta.”
Alves ainda sugere mudanças nas medidas educativas, para que um atual pichador consiga evoluir em sua própria arte e crie pensando na cidade em que vive. “Ao invés de mandar pintar muro ou assistir palestra, que esses possíveis futuros artistas sejam incluídos em cursos de arte ou projetos como o jovem empreendedor.”