segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

MAC homenageia obra de seu primeiro diretor, Walter Zanini

Walter Zanini, que dirigiu o Museu de Arte Contemporânea da USP por 15 anos, desde sua fundação em 1963, descreveu assim a encruzilhada em que se encontrava ao criar uma instituição para mostrar a arte do presente.Compartilhado da Folha de SÃO PAULO


De um lado, estava a "produção maciça" de obras de arte tradicionais. Do outro, um "terreno instável", em que a arte passava a ser feita com o corpo, em performances ou ações capazes de transformar o espaço do museu.
Morto em janeiro deste ano, aos 87, Zanini foi um dos nomes centrais no cenário das artes visuais no Brasil, construindo uma das primeiras e mais importantes coleções de arte conceitual na América do Sul, além de abrir espaço para novas linguagens, como performance e vídeo.

Walter Zanini

Divulgação
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'Estrada de Ferro Central do Brasil', de Tarsila do Amaral
Uma exposição e uma série de debates que começam hoje no MAC, além de um livro com seus escritos, que será lançado nesta semana, relembram agora a importância de Zanini na construção de um circuito mais sólido para as artes visuais no país.
E também revelam como ele, para além das fronteiras nacionais, era um homem em sintonia com a vanguarda do pensamento estético e
museológico de sua época.
Nas correspondências que trocava com diretores de instituições em Paris, onde estudou, e também no resto do mundo, Zanini deixava claro que entendia os anos 1960 como época de transição, em que museus não seriam mais coleções de velhos objetos e virariam plataformas de produção de novos trabalhos.
Ele defendia a ideia de uma instituição "que se integra ao público, deixando de ser um cemitério nobre de antigas civilizações" e perdendo sua "aura sagrada", para se tornar "um instrumento de larga comunicação", caso contrário "desapareceria na sociedade contemporânea".
No fundo, Zanini descrevia um momento dicotômico, opondo o velho museu "templo" a um novo museu que funcionaria como "fórum".
Era o último grito das teorias em debate na Europa e nos Estados Unidos, mas, ao contrário dos países desenvolvidos, Zanini enfrentava um agravante no Brasil -o regime militar que começou em 1964, um ano depois que assumiu a direção do MAC.
Em plena ditadura, ele seguiu adiante com seus planos de criar um "museu do zero", ancorado no que enxergava como "uma extraordinária atmosfera de atualidade".
"Ele era um porta-voz potente desses pensamentos, porque estava inventando um museu", afirma Cristina Freire, que editou o novo livro com os escritos de Zanini, alguns deles revistos pelo autor para o volume, e organizou a mostra no MAC. "Foi uma radicalização total."
NO TETO E NO CHÃO
Um dos momentos mais marcantes dessa tentativa de revolução foi a edição de 1972 da mostra "Jovem Arte Contemporânea", quando Zanini loteou e sorteou os espaços da instituição entre 84 artistas, que passaram duas semanas ocupando o museu, então instalado no terceiro andar do pavilhão da Bienal.
"Essa foi a exposição mais comentada da época. Não tinha paredes, as obras ficavam no chão, no teto", conta Donato Ferrari, artista que participou das mostras de arte experimental naquele ano.
Uma de suas peças, um cubo de papel cheio de balões, foi destruída pelo público numa espécie de "happening", soltando as bexigas que iam estourando pelo museu.
Zanini comentou o caso, exaltando como a "ação estrepitosa revelou comportamentos reprimidos à época".
Na mostra agora no MAC, um filme inédito que registra essas ações será exibido, além de obras que entraram para o acervo do museu pelas mãos do antigo diretor, como peças de videoarte e de nomes então emergentes, como Regina Silveira, Cildo Meireles e Paulo Bruscky.
"Minha geração toda deve respeito a Zanini", diz Bruscky, artista pernambucano que participou enviando obras por correio às primeiras mostras do MAC, estreando no circuito paulistano em 1969. "Além de apoiar os artistas, ele nunca se calou em relação à política da época."
Meireles, que vive até hoje no Rio, também se aproximou de Zanini. "Ele colocava o artista à vontade, e isso é uma coisa rara", lembra o artista. "Naquela época, Rio e São Paulo eram universos à parte, e um dos métodos dele foi tentar quebrar essa barreira."
No caso, não só integrando melhor o cenário nacional, mas abrindo espaço para brasileiros no circuito global.
Regina Silveira descreve esse momento como "janela aberta para o exterior" e lembra como Zanini comprou os primeiros equipamentos de vídeo para o museu e criou um laboratório de experimentação para a nova técnica.
"Ele mantinha o museu sempre aberto aos artistas", diz Silveira. "Aquilo tudo era um pouco nosso."
POR UM MUSEU PÚBLICO - WALTER ZANINI
QUANDO abre hoje, às 18h, ter., das 10h às 21h; de qua. a dom., das 10h às 18h; até 5/10/2014
ONDE MAC (av. Pedro Álvares Cabral, 1.301, tel. 0/xx/11/2648-0254; www.mac.usp.br)
QUANTO grátis
WALTER ZANINI: ESCRITURAS CRÍTICAS
AUTOR Walter Zanini
EDITORA Annablume
QUANTO R$ 50 (420 págs.)
*
RAIO-X
WALTER ZANINI
VIDA
Nasceu em São Paulo, em 1925, e morreu, aos 87, em 29 de janeiro de 2013
FORMAÇÃO
Estudou história da arte em Paris, Roma e Londres
OBRA E CARREIRA
Dirigiu o MAC-USP entre 1963 e 1978. Foi duas vezes curador da Bienal de São Paulo, em 1981 e 1983

Presidente do Ibram se reúne com galeristas e diz acolher pedido de mudanças em decreto


compartilhado da Folha de S. paulo - JULIANA GRAGNANI
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
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Depois de uma reunião com agentes do mercado da arte nesta quinta-feira (28), em São Paulo, o presidente do Instituto Brasileiro de Museus, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, se comprometeu a levar à ministra da Cultura, Marta Suplicy, um documento com reivindicações do setor sobre o decreto que regulamenta os museus.
Documento assinado pela presidente Dilma Rousseff no mês passado, a medida determina que qualquer obra de arte no país pode ser declarada de interesse público, impondo restrições à sua venda, circulação e restauro. Desde outubro, a lei vem causando preocupação entre galeristas e colecionadores, que temem que o mercado de arte seja abalado pela lei.
Enquanto isso, o departamento paulista da Ordem dos Advogados do Brasil estuda o decreto e deve emitir um parecer em dezembro dizendo ser inconstitucional a medida, por ferir o direito à propriedade privada e à privacidade, além de violar determinações da lei que regula direitos autorais.
Luisa Strina, galerista que cedeu sua casa para o encontro desta quinta, disse ter sido "muito boa" a reunião. "Ele foi muito receptivo e gentil", disse Strina, sobre o presidente do Ibram. "Tem muita chance disso ser superbom para nós. Agora vamos levantar os pontos que gostaríamos que fossem mudados e enviar para ele."
Entre os pontos "nebulosos", nas palavras de Araújo Santos, falta esclarecer que tipo de obra pode, de fato, ser declarada de interesse público e o que isso implica, em especial no que tange à circulação da obra.
Galeristas --Alessandra d'Aloia, sócia da Fortes Vilaça, também esteve na reunião-- aproveitaram o encontro para reforçar o lobby do setor pela redução de impostos que incidem sobre a importação de obras de arte, que no Brasil chegam, em média, a 50% do valor das peças.
"Há pontos nebulosos que trouxeram grande inquietação, mas nós não queremos prejudicar o mercado", diz Araújo Santos à Folha. "É por isso que vamos acatar o documento com os pedidos do mercado. Também vou levar à ministra o pleito deles pela simplificação do sistema tributário para a circulação das obras de arte."
Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural e secretário-geral da Associação Nacional das Entidades Culturais, também esteve no encontro com o presidente do Ibram e deve liderar a elaboração do documento a ser enviado em até 15 dias para o Ministério da Cultura.
Um dos pontos do documento, segundo Saron, será pedir esclarecimentos sobre que obras serão declaradas de interesse público e que benefício ou prejuízo isso traz para o dono da peça.
"Esse é um campo que tem de ser esclarecido, para não dificultar a circulação das obras e burocratizar ainda mais", diz Saron. "Vamos sugerir que tudo seja sem burocracia e mais transparente."
Também haverá pressão por parte do mercado de arte para que a nova comissão a ser formada pelo Ibram para determinar que obras serão ou não declaradas de interesse público tenham membros da sociedade civil, já que a previsão inicial é que só técnicos do órgão do MinC integrem o grupo.
CHAMADA PÚBLICA
Em evento nesta sexta-feira (29) no Museu Lasar Segall, em São Paulo, Araújo Santos e Marta Suplicy comentaram o decreto. O museu, que é ligado ao MinC, recebeu a doação de 110 obras pertencentes à coleção particular de Mario Segall, neto de Lasar Segall.
"Esse decreto não foi feito para interditar, proibir ou sequestrar obras", disse Araújo Santos.
Depois da cerimônia, em conversa com Eduardo Saron, Marta afirmou que observou "medo e inquietação desnecessários" em relação ao decreto. "Estão falando de um Brasil que não existe mais. Houve épocas em que se invadiam terreiros. A Polícia Federal tem um acervo gigantesco de peças de terreiro. Hoje, o Brasil é outro, é um país democrático, que respeita a propriedade privada. Nós não vamos entrar na casa das pessoas pra pegar as obras", afirmou a ministra. "Estamos abertos para escutar e ouvir sugestões."
Araújo Santos disse que o MinC pensa em abrir uma chamada pública pela internet para ouvir sugestões da população. "Se chegarmos à conclusão de que alguma coisa mereça mais detalhamento, podemos fazer isso por meio de uma portaria."
O presidente do Ibram afirmou ainda que a simplificação do sistema tributário para a circulação das orbas de arte depende de uma iniciativa do Ministério da Fazenda, e não do Ministério da Cultura, que, segundo ele, irá iniciar um diálogo sobre o tema com a pasta. "Vamos mostrar para a Fazenda que isso é positivo para o país."