quinta-feira, 15 de junho de 2017

Após 20 anos de pesquisas, Leonilson ganha catálogo com 1.100 páginas

Após 20 anos de pesquisas, Leonilson ganha catálogo com 1.100 páginas

Obras do artista estão em mostra em Fortaleza, na Art Basel, na Suíça, e vão para NY


RIO — Em seus 36 anos de vida, Leonilson manteve uma produção intensa, numa grande variedade de técnicas e suportes, como pintura, colagem, desenhos e bordados, que resultou em mais de três mil obras marcadas por um caráter profundamente pessoal. Nas palavras da irmã Ana Lenice Dias Fonseca da Silva, presidente do projeto que leva o nome do artista, fundado em São Paulo em 1994, a produtividade vinha de uma necessidade quase compulsiva de criar, que o levava a virar noites para terminar uma série de desenhos ou um novo bordado. Toda essa produção está reunida finalmente em um catálogo raisonné, projeto iniciado em 1996 e que será lançado no dia 30 de junho, na exposição dedicada ao cearense no Espaço Cultural Unifor, em Fortaleza. Em setembro, a publicação será lançada em uma mostra no Americas Society, em Nova York. Por agora, a obra do artista, morto em 1993 em decorrência da Aids, está em destaque na Art Basel, uma das principais feiras de arte do mundo, na Suíça, onde a Galeria Marilia Razuk, de São Paulo, expõe dez de seus trabalhos.
— A sensação que o Leonilson nos passava era a de que ele via a criação como um alimento, muito mais do que uma forma de posteridade. Quando já estava doente e ia para o hospital para fazer transfusão de sangue, ele nos pedia para levar cadernos para desenhar. Produzir era algo tão importante para a sua sobrevivência quanto os medicamentos — lembra Ana Lenice, para quem o traço pessoal das obras do irmão garante sua atualidade. — Ele colocava em seus trabalhos coisas que a gente quer dizer e não consegue. Até hoje vejo jovens emocionados com a sua obra, essa ligação permanece.

Ana Lenice assina a curadoria do catálogo com a filha, Gabriela Dias, coordenadora do Projeto Leonilson, e com Ricardo Resende, curador do Museu Bispo do Rosário, no Rio. Com 1.100 páginas e 3.400 obras, a publicação é dividida em três volumes, em ordem cronológica, e traz a produção de Leonilson nos anos 1970, 1980 e 1990. A pesquisa, iniciada há mais de 20 anos, identificou trabalhos que foram vendidos ou doados pelo artista ainda em vida, além do acervo do projeto. A partir do levantamento, Resende organizou a exposição “Leonilson: arquivo e memória vivos”, em cartaz no Ceará até 7 de julho e já visitada por mais de 58 mil pessoas desde março.

CATÁLOGO REÚNE OBRAS DO PINTOR CEARENSE LEONILSON
Pintura "O inconformado", de 1987. A obra está presente no catálogo raisoneé que será lançado no fim do mêsFoto: Rubens Chiri / Rubens Chiri
"Capaz capaz", de 1983, de Leonilson. A obra está presente no catálogo raisoneé que será lançado no fim do mêsFoto: Eduardo Ortega / Divulgação
Pintura "Leo não consegue mudar o mundo", de 1989. A obra está presente no catálogo raisoneé que será lançado no fim do mêsFoto: Romulo Fialdini / Romulo 
"Pescador de Pérola", de 1991. Bordado sobre voile. A obra está exposta na feira Art Basel, na SuíçaFoto: Rubens Chiri / Divulgação
Catálogo raisonné do pintor de Leonilson. O livro traz cerca de 3.400 obras e será lançado no fim do mêsFoto: Divulgação / Divulgação
Obra sem título, de 1988, aquarela sobre papel. O quadro está exposto na feira de Basel, na SuíçaFoto: Divulgação / Divulgação
Obra sem título, de 1991. Bordado e pintura sobre voile. A obra está exposta na feira Art Basel, na SuíçaFoto: Rubens Chiri / Divulgação
"2 rapazes na guerra", de 1989, acrílica sobre tela. A obra está exposta na feira de Basel, na SuíçaFoto: Divulgação / Divulgação
"El Puerto", de 1992. Bordado sobre algodão e espelho do pintor, desenhista e escultor Leonilson. A obra está exposta na feira de Basel, na SuíçaFoto: Divulgação / Divulgação
"Bandeira verde", de 1991. Acrílica sobre tela costurada do pintor, desenhista e escultor Leonilson. A obra está exposta na feira de Basel, na SuíçaFoto: Divulgação / Divulgação
Nascido em 1957, o artista plástico tem 120 obras reunidas em exposição em Fortaleza, onde seu catálogo será lançado
— A proposta para as 120 obras expostas em Fortaleza foi reunir trabalhos pouco vistos, que foram doados por Leonilson ou comprados diretamente em seu ateliê. A pesquisa para o catálogo indicou o paradeiro de muitas dessas obras, que formam um panorama diverso de sua criação, mostrando Leonilson como o artista único que ele era — destaca Resende.
A família negocia a ida da exposição para outras capitais, como Rio, São Paulo e Porto Alegre, enquanto prepara a mudança do acervo para uma outra casa na capital paulista, em Vila Mariana, onde as obras ganhariam um espaço expositivo maior. Presentes no acervo de importantes instituições internacionais, como o MoMA, em Nova York, o Centro Pompidou, de Paris, e a Tate Modern, em Londres, as obras de Leonilson ganham novos admiradores no estande da Galeria Marilia Razuk na Art Basel, aberta ontem para convidados e de amanhã a domingo ao público em geral.
— Trouxe para Basel obras realizadas entre 1989 e 1993, e elas têm despertado muito interesse entre colecionadores e representantes de instituições — conta Marilia Razuk, por telefone, da Suíça. — As obras conquistam de imediato quem passa pela galeria. Muita gente que tem uma ideia preconcebida da arte brasileira e latino-americana se surpreende, as questões abordadas nas obras são as mesmas que muitos jovens artistas trabalham hoje.
A atualidade da obra de Leonilson é destacada também por Gabriela Rangel, diretora e curadora de Artes Visuais da Americas Society, que organiza uma exposição do artista em setembro, com obras de instituições como o MoMA, o Los Angeles County Museum of Art e o Masp, além do acervo da família e de colecionadores.

— Cecilia Brunson, que dirige uma galeria em Londres e faz projetos independentes de curadoria, propôs a exposição, mas já estávamos atentos à sua obra. Diria sem hesitação que sua apropriação poética da arte popular brasileira e do artesanato vernacular, bem como seu diálogo com Bispo de Rosário e Antonio Dias, são únicos na América Latina — frisa Gabriela.
Para além de toda a obra reunida no catálogo, Leonilson deixou uma vasta produção textual, além de agendas que guardam várias de suas interferências gráficas, ressaltando o caráter autobiográfico de sua obra.
— Às vezes as agendas e os desenhos guardados por Leonilson são expostos em vitrines, em meio às mostras, mas esse material permanece praticamente inédito. Isso daria um volume específico, não daria para incluir no catálogo. É um universo infinito de descobertas — conclui Ana Lenice.