sábado, 12 de outubro de 2013

Uma bienal de arquitetura para abalar o alicerce da metrópole


Décima edição da mostra, que ocorre no Ibirapuera, é pensada como fórum de discussão sobre mobilidade

Compartilhado de: Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S. Paulo
O foco da décima edição da Bienal da Arquitetura não é tanto o arquiteto, mas a metrópole, particularmente numa época marcada por violentos protestos e movimentos de ocupação. O título da mostra, Cidade: Modos de Fazer, Modos de Usar, sintetiza a proposta dos curadores Guilherme Wisnik, Ana Luísa Nobre e Lígia Nobre, a de instalar a bienal não só num local, como era habitual – no caso, o pavilhão da Bienal, no Ibirapuera –, mas em diversos lugares conectados ao sistema de transporte público, estopim da onda de manifestações que se espalharam pelo País há quatro meses.
Assim, a 10.ª Bienal, que começa neste sábado, 12, e vai discutir o problema das metrópoles, ao contrário das edições anteriores, não se limita a exibir projetos e maquetes, mas faz de prédios públicos e da mobilidade na cidade sua própria vitrine. A Bienal usa edifícios com a assinatura de conhecidos arquitetos, como Oscar Niemeyer (Copan) e Lina Bo Bardi (Masp, Sesc Pompeia), entre outros, mas não há aí nenhuma celebração ufanista. Os curadores, longe disso, querem convidar o visitante a flanar e observar melhor a cidade, preferencialmente de ônibus ou metrô.
Esse comportamento benjaminiano vai permitir comparar a metrópole paulistana, hoje marcada por uma espécie de uniformização arquitetônica, com soluções urbanísticas de outros pontos do planeta. Vale até colocar à disposição desse visitante um apartamento em frente ao Minhocão, a fim de que ele possa imaginar o que seria do elevado com nome de ditador (Costa e Silva) caso fosse transformado no High Line da metrópole paulistana – ou seja, um jardim suspenso inspirado na West Side Line de Nova York, ferrovia elevada que virou parque ecológico com quase dois quilômetros.
Uma mostra de arquitetura em que a experiência da própria cidade é a meta principal amplia não só o conceito de exposição – não mais projetos, plantas e maquetes, que podem ser vistas na internet –, como exemplifica a visão dos curadores da cidade ideal. E ela não é a Paris de galerias novecentistas, a cidade do barão Haussmann, mas a metrópole contemporânea com prédios que permitam o convívio e a aproximação de seus moradores, não o apartheid social. Por isso, dois edifícios inaugurados em 1982, o Sesc Pompeia e o Centro Cultural São Paulo, foram escolhidos entre os oito espaços expositivos, além de outros nove da rede que a curadoria chama de “expandida”.
Organizada com o apoio de várias entidades pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil, a bienal atraiu 181 arquitetos, metade vindos de fora, para discutir o futuro das metrópoles e “despertar novas formas de consciência da cidade”, como diz o curador Guilherme Wisnik. Os organizadores da mostra promoveram viagens exploratórias por estados como Pernambuco, Pará e outras regiões que cresceram nos últimos anos para avaliar se o tal “espetáculo de crescimento” prometido pelo governo Lula não virou, antes um “crescimento do espetáculo” – que redundou em programas de habitação popular cuja miséria estética e uniformização arquitetônica certamente não irão passar incólumes na ágora montada no Sesc Pompeia. Lá, serão discutidos projetos brasileiros e estrangeiros, como o de Detroit, centro da indústria automobilística americana transformado em grande pomar de subsistência após a crise econômica de 2008.
“A ruptura de paradigma da bienal, de uma exposição de obras para fórum de discussão, tem, evidentemente, um sentido político, o da construção de uma nova sociedade”, justifica José Armênio de Brito Cruz, presidente da seção paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), que há 40 anos promove a Bienal de Arquitetura no país, onde 100 mil arquitetos disputam um lugar ao sol. Megaeventos como a Copa do Mundo e seu impacto nas transformações urbanísticas serão discutidos durante a bienal, que dedica parte de seu programa ao debate sobre espaço público e ativismo, com especial atenção aos movimentos Occupy e Passe Livre. “Outro ponto importante é a exposição que mostra como a cidade é desenhada mais pelas leis do que pela intervenção dos arquitetos”, lembra Wisnik, prevendo um debate acirrado em plena discussão do Plano Diretor da cidade, revisto depois de dez anos.
O público e o privado ganham projeção no Masp, onde a produção dos anos 1960 e 1970, período de chumbo do regime militar, subverteu a ordem arquitetônica ao cruzar as duas esferas. Obras do arquiteto Vilanova Artigas e Paulo Mendes da Rocha, cassados pela ditadura, dialogam com instalações dos artistas plásticos Hélio Oiticica e Cildo Meireles, pioneiros em instalações que pediam a participação do público, diluindo a fronteira entre espaço público e doméstico.
Outra exposição atraente é a do Museu da Casa Brasileira, que tem, entre outros projetos, o do premiado João Filgueiras Lima (Lelé) para a favela de Pernanbues, em Salvador, além da Casa Bola, uma excêntrica habitação do arquiteto Eduardo Longo, que, entre 1974 e 1979, no auge da contracultura, imaginou um módulo habitável em forma de cápsula esférica, que encontra na arquitetura de Buckminster Fuller sua mais completa tradução. No museu também está a Casa Moriyama, que se integra ao espaço urbano como as casas das gravuras de Goeldi, em que os móveis ocupam a via pública, confundindo-a com o espaço privado. Na casa de Tóquio, o arquiteto Ryue Nishizawa radicalizou: até o banheiro dá para a rua e só tem uma cortina no box de vidro. Big Brother é isso.
A invasão do Brasil por firmas de arquitetura estrangeiras é outro item que será discutido na bienal. A curadora Lígia Nobre ficou impressionada com o número de gringos em Altamira, no Pará, o maior município em extensão territorial do mundo. E isso é só o começo.