segunda-feira, 15 de abril de 2013

E agora Pichação é Arte??????


Pichação é arte


por João Wainer*




  Trabalho como repórter-fotográfico em São Paulo e passo 

dia todo rodando pelas ruas dessa gigantesca cidade. O 

banco da frente do carro de reportagem é meu escritório. O 

barulho das buzinas dos motoboys, o cheiro de fumaça e os 

congestionamentos fazem parte da minha rotina.



Faz tempo que comecei a prestar atenção às pichações que 

dominam os muros da cidade. Conheci alguns pichadores e 

descobri que existe uma guerra silenciosa na noite 

paulistana. Milhares de jovens disputam os lugares mais 

altos para marcar seu nome ou o de seu grupo. Eles 

escrevem num alfabeto próprio, desenvolvido com 

linguagem e códigos específicos. Ganha a disputa quem 

pichar mais alto, no lugar com maior visibilidade.



  A cada nova história que escutava eu me interessava mais 

pelo assunto. Passei a reparar nas letras, a tentar decifrar 

cada palavra e mensagem como se fosse um quebra-

cabeça. Aos poucos, aquilo que parecia caótico começou a 

fazer sentido para mim. Percebi que aquilo não era tão feio 

como alardeavam. Na verdade, a suposta feiúra da pichação 

até combinava com a paisagem acinzentada de São Paulo. 

O estilo das letras, a forma, o jeito com que elas são escritas 

são lindos. Adoro ver no alto dos prédios aquelas pichações 

enormes, com letras enfumaçadas. Tento imaginar quem 

fez, como fez e o que passou pela cabeça dele enquanto 

fazia.



  Pouca gente sabe, mas o estilo de letras criado pelos 

pichadores de São Paulo é cultuado na Europa. Existem 

livros na Alemanha que tratam exclusivamente da bela grafia 

das pichações paulistanas, com fotos e textos analíticos 

sobre o assunto. Creio que ao lado dos motoboys, os 

pichadores são o que há de mais representativo e 

genuinamente paulistano.



  Além de bonito, o ato de pichar é um efeito colateral do 

sistema. É a devolução, com ódio, de tudo de ruim que foi 

imposto ao jovem da periferia. Muitos garotos tratados como 

marginais nas delegacias, mesmo quando são vítimas, 

ridicularizados em escolas públicas ruins e obrigados a 

viajar num sistema de transporte de péssima qualidade 

devolvem essa raiva na forma de assaltos, seqüestros e 

crimes. O pichador faz isso de uma maneira pacífica. É o 

jeito que ele encontrou de mostrar ao mundo que existe. Os 

jovens da periferia das grandes cidades precisam aprender 

a canalizar esse ódio para atividades não violentas, como o 

rap, o grafite e até mesmo as pichações – que também 

podem ser consideradas um esporte de ação, tamanha a 

descarga de adrenalina que libera em seus praticantes. Ser 

pichador requer ótimo preparo físico para escalar muros e 

prédios, andar por parapeitos com latas de spray e correndo 

o risco de ser pego pela polícia ou por algum morador 

furioso.



  Não é só por isso que considero artísticas as pichações de 

São Paulo. A definição do que éarte tem algo de relativo e 

abstrato. O que é arte para uns, pode não ser para outros. 

Tudo depende das informações que cada um tem, onde e 

como vive, como cresceu e que tipo de formação 

educacional teve. É verdade que a ação dos pichadores 

desagrada e é condenada pela maioria das pessoas que 

vivem em São Paulo. Mas grandes artistas do último século 

usaram a arte para reverter conceitos estabelecidos e 

provocar mudanças de comportamento. Para isso, 

precisaram incomodar o establishment. Toda arte que se 

preze tem de incomodar, causar no espectador algum tipo 

de reação à qual ele não está acostumado. A pichação é um 

bom exemplo de como cumprir bem este papel.



  Não defendo que cada leitor compre uma lata de spray e 

saia pichando seu nome por aí. Apenas tento entender, livre 

de preconceitos, um fenômeno que é visível nos pontos 

mais movimentados da cidade e que faz parte da vida de 

todos que andam por São Paulo. Apichação é o pano de 

fundo da cidade, um detalhe do cenário que combina com a 

cor do asfalto, o cinza dos prédios, o cheiro da fumaça que 

sai do escapamento dos ônibus, o barulho do motor, da 

buzina dos motoboys, da correria...



* Tem 28 anos e é repórter-fotográfico do jornal Folha de S. 

Paulo desde 1996