terça-feira, 27 de novembro de 2012

BOTERO


'A arte vive um momento deplorável', afirma Botero

Colombiano critica produção atual e diz ser fiel a seu 'estilo inconfundível'
Artista também explica obsessão por figuras obesas como 'exaltação do volume' que viu nos renascentistas italianos
DE SÃO PAULO
De atores de circo e donas de casa a ditadores e vítimas de tortura, os personagens nos quadros de Fernando Botero são sempre gordos, dóceis, desajeitados e quase grandes demais para caber no mundo em que habitam.
Botero parece viver num universo tão singular quanto o que inventou, de disciplina monástica em relação ao trabalho e consciente de ter criado um "estilo inconfundível".
Em suas séries mais recentes, ele deu o mesmo tratamento rechonchudo a temas como as mazelas de Cristo, a violência na Colômbia sob o comando do narcotráfico e a tortura de prisioneiros por soldados americanos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque.
Numa pausa do trabalho em pleno sábado, ele falou à Folha por telefone de seu ateliê em Mônaco. Leia trechos da entrevista. (SILAS MARTÍ)
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Folha - Por que o sr. retrata só personagens gordos?
Fernando Botero - Não pinto só figuras volumosas. O que me interessa é o volume. Essas formas são sensuais, não é um comentário sobre pessoas magras ou gordas. Antes, a pintura era plana e, no Renascimento, artistas como [o italiano] Giotto souberam dar volume às figuras. É a exaltação do volume que sempre me seduziu, é essa crença na sensualidade.
Mas personagens com essas feições estão em todas as suas telas. Não há certo exagero?
Toda a pintura é exagerada. A paisagem cinzenta que Van Gogh via aparece avermelhada, azulada em seus quadros. Michelangelo e Matisse também exageraram.
Seus gordinhos, então, são uma questão de estilo?
É uma mistura de coisas. Tenho interesse pela arte pré-colombiana, mas minha formação é europeia. É um coquetel de coisas que acaba traduzido e sublimado na minha pintura. Um estilo não passa de uma reflexão sobre a excelência, e acredito que inventei um estilo inconfundível, que nasce das minhas convicções e meu respeito pela arte de formas clássicas.
Mas não resulta irônico esse estilo quando o sr. pinta temas sérios, como os torturados em Abu Ghraib ou as vítimas da violência na Colômbia?
Picasso usou o mesmo estilo ao retratar sua amante Dora Maar e as formas de "Guernica". Não posso criar um estilo para cada tema, e tampouco trato esses temas sérios com qualquer ironia. Posso pintar coisas inaceitáveis e monstruosas, mas nunca vou mudar meu estilo.
Suas influências mais marcantes são artistas clássicos, e o sr. já afirmou que a arte se desintegrou depois de Picasso. Como vê a arte hoje?
Digamos que o problema é uma falta de estrutura. Disseram tanto ao Picasso que ele era um gênio que ele começou a fazer quadros sem estrutura. No final de sua vida, sua obra era um caos total, com uma técnica deplorável.
A verdade é que hoje a arte se baseia em ideias superficiais, artistas estão mais interessados em chocar do que em criar obras com qualquer senso de estrutura. Não é um momento glorioso na evolução das artes visuais. Acredito que a arte viva agora um momento deplorável.
É por isso que o sr. desistiu de patrocinar o tradicional prêmio a jovens artistas que levava seu nome na Colômbia?
Sei que essa foi uma decisão polêmica, mas o júri havia dado o prêmio máximo a um vídeo, que era talvez o primeiro que aquele artista havia feito na vida. Não gostei das obras, nada me interessou, então achei que já não valeria mais a pena patrocinar esse tipo de coisa.
Vi que os jurados premiam coisas absurdas, como se morressem de medo do fim das vanguardas artísticas.
Como lida com seu sucesso comercial? Costuma acompanhar os resultados dos leilões?
Não gosto de leilões porque criaram um gueto para artistas latino-americanos. Gostaria de estar nos leilões com os artistas do resto do mundo, já que tenho obras espalhadas por todo o planeta. Arte é universal, não deve estar identificada por regiões. Ser classificado como latino é ocupar uma categoria inferior, e não me considero inferior a ninguém.

FERNANDO BOTERO

Ela pode ser sua
Pintor dos gordinhos, Botero tem obras à venda em galeria de SP

'Mulher Sentada', obra de Botero à venda em São Paulo
'Mulher Sentada', obra de Botero à venda em São Paulo
SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO
Elas são, de fato, gordas. Mal cabem nos vestidos, transbordam de seus pedestais e desafiam o padrão de beleza esquelético em voga, mas não deixam de ser cobiçadíssimas. Em telas, esculturas, desenhos e pinturas, as gorduchas de Fernando Botero, 80, valem fortunas.
"Falam que sou o artista vivo mais caro da América Latina, acho isso bom", diz Botero, em entrevista à Folha, de seu ateliê em Mônaco. "Quando comecei, nos anos 1940, essa profissão era uma piada. Minha mãe dizia que eu morreria de fome. Hoje sei que os preços são altíssimos."
Só nos leilões da semana passada na Christie's e na Sotheby's, em Nova York, obras do artista colombiano foram arrematadas por mais de R$ 9 milhões, sendo a mais cara de todas a escultura de um cavalinho obeso, vendida por quase R$ 2 milhões.
No rastro dessas vendas milionárias, começa hoje, em São Paulo, na galeria Almeida e Dale, a primeira mostra comercial do artista no país.
Embora a casa não revele os preços oficiais, há desenhos a partir de R$ 80 mil e esculturas vendidas a cerca de R$ 600 mil -das 32 peças, três já estão reservadas.
"É um artista que vende obras de valores expressivos", comenta o marchand Carlos Dale Júnior. "São obras doces, bonitas e de fácil aceitação. Botero é o artista dessa geração com o maior apelo comercial, e já sabemos de coleções no Brasil que têm trabalhos dele."
A oferta de seus trabalho no Brasil é, ainda, um teste de mercado. O trabalho de Botero tem os dois pés balofos afundados no kitsch, uma obra que alcançou o estrelato em leilões, mas conquistou entre críticos de arte um repúdio proporcional a seus preços inflados.
Desde a adolescência, em Bogotá, até os anos de formação, que passou entre Madri, Paris e Florença, Botero pinta do mesmo jeito. Figuras gordas com rostos diminutos, que somem na banha.
O artista, que tem ateliês na França, em Mônaco, na Itália e na Grécia, trabalha oito horas por dia