Artista plástico, que mora há 30 anos na capital, fala sobre sua relação de amor e ódio com a cidade
GIULIA FONTES 
Natural de Paraíso do Norte, no Noroeste do Paraná, Edilson Viriato foi o mais jovem artista a expor seu trabalho na Bienal de São Paulo, em 1991. Dez anos antes, na época aos 15 anos de idade, ele já havia ganhado seu primeiro prêmio como artista plástico. Na entrevista ao  blog Leite Quente, Viriato fala de seu trabalho no ateliê que mantém em Curitiba, e reclama da falta de incentivo e valorização aos artistas paranaenses na capital. Além disso, comenta os temas que aborda em suas obras, que considera mais apimentados que o “sorvete de baunilha” do senso comum.  
Viriato e uma de suas obras. “Curitiba me engole”, afirma.
Viriato e uma de suas obras. “Curitiba me engole”, afirma.
Giulia Fontes – Você é de Paraíso do Norte (PR). Por que escolheu morar e trabalhar em Curitiba? Qual é a sua relação com a cidade?
 Edilson Viriato – Paraíso é uma cidade super pequena, bem do “interiorzão”. Fica perto de Paranavaí, Noroeste do Paraná. Poderia ter ido para Maringá ou Londrina, mais próximas, mas Curitiba é capital. Achei que teria uma gama maior de possibilidades para estudar e escolher um curso diferenciado, já que eu queria trabalhar com arte. Tinha um pouco de medo de ir pra São Paulo e Rio, então achei melhor vir pra Curitiba. Vim sozinho, com 17 anos, não tinha nenhum parente aqui. Já sou um curitiboca, faz 30 anos que vivo aqui.
GF – Curitiba é uma boa cidade para a produção de arte? Há valorização dos nomes paranaenses?
EV – Já tive vontade de sair, me mudar. Eu gosto muito de Curitiba, mas ao mesmo tempo acho uma cidade cruel com as pessoas. Se eu estivesse no eixo Rio – São Paulo, meu trabalho seria diferenciado. Eu fiz toda a minha carreira fora daqui, com exposições em outros lugares e um ateliê em Berlim. Curitiba é uma cidade que não tem mais salão de arte, em que não há boa divulgação dos eventos da área. As galerias daqui quase não trabalham com artistas paranaenses. E não é porque não sejam bons, é preconceito. Assim como o Brasil tem preconceito com artistas brasileiros, o curitibano tem preconceito com artistas paranaenses. A gente não vê um intercâmbio, como havia antigamente. Eu já cansei de ver galerista dizer que a arte do Paraná não é expressiva. Eu sempre fico um pouco triste porque vários artistas daqui não são valorizados. A gente tem um super museu, o Oscar Niemeyer (MON). Muitos artistas nunca foram convidados para fazer uma exposição lá. São pessoas que não precisam mais mandar portfólio pedindo. Se fora eles te valorizam, por que não aqui? Em Curitiba, a gente tem que mandar o portfólio e ameaçar: “Se vocês não me derem uma exposição, eu vou para a imprensa”. Isso é ridículo. Às vezes você é lembrado, mas vários artistas daqui poderiam estar mais à frente, aparecendo, sendo valorizados. Eu falo que é um balaio de serpentário. Quem puder morder o outro, melhor. O próprio pessoal daqui fala mal do pessoal daqui lá fora. Por quê? Você tem mais é que enaltecer. Acho que Curitiba me engole, é antropofágica. Mas eu ainda fico aqui. Por enquanto, dá pra comer.
GF – Qual foi o seu primeiro contato com a arte? Quando se descobriu artista?
EV – Foi na adolescência. Existia um ateliê de uma artista chamada Marize Canabrava, lá em Paraíso do Norte. No meu aniversário de 15 anos, pedi de presente de aniversário a entrada no ateliê. Meus pais compraram uma tela, três pincéis e três tubos de tinta: um vermelho, um amarelo e um azul, só. Como a gente usava tinta a óleo, as paletas ficavam penduradas na parede. Então eu chegava para as pessoas e dizia: “Quer que eu limpe a sua paleta para a tinta não secar?”. Eu deixava todas as paletas limpinhas e passava tudo para a minha. Na outra semana, quando eu chegava, minha paleta estava cheia de tinta e com um monte de cores. Com 15 anos, ganhei meu primeiro prêmio nacional, o prêmio Olho de Boi. No meu terceiro quadro, meus pais investiram em mim e compraram todo o meu material. Um ano depois eu já estava dando aula no ateliê. Quando eu tinha 16 anos, a Marize precisou ir embora para Londrina, e passou seus orientandos para mim. Juntei a grana para vir para Curitiba. Chegando aqui, fiz sapateado, jazz e balé clássico no Teatro Guaíra. Vivi um impasse entre dança e artes visuais. Ao mesmo tempo em que ganhava prêmios em festivais, como bailarino e coreógrafo, comecei a participar de eventos artísticos, e também a ganhar prêmios. Eu estava fazendo Belas Artes. Na arte, é como o vinho: quanto mais velho, você vai ficando melhor. Na dança, não. Como a minha parada de pé doía muito, porque eu virava o pé, achei que não ia chegar muito longe com isso. Além disso, profissão de bailarino é curta. Escolhi as artes visuais. Foi duro, mas ótimo. Hoje o meu currículo deve ter umas 70páginas, com exposições e premiações. Em 1991 fui o mais jovem artista da Bienal de São Paulo, com 25 anos de idade. Logo depois eu fiz Bienal de Cuba. Está sendo bom, dá pra comer um pastel.
 GF – Radha Abramo, jornalista, crítica e historiadora de arte, lhe definiu, em 1996, como um “símbolo artístico da atualidade”. Você se vê assim? Como acha que sua obra se insere na produção artística atual?
EV – Eu venho de uma geração que tem grandes artistas nacionais e internacionais. É bonito alguém falar que seu trabalho tem uma simbologia e que é importante. Não me acho melhor nem pior que outros. Faço o meu papel, não me acho estrelinha, não. O tempo vai dizer isso.
 GF – Como é seu método de produção? Quanto tempo leva para produzir um trabalho?
EV – Eu sou quantidade. Da quantidade, tiro a qualidade. Adoro trabalhar com música. Sou muito elétrico, 24 horas. Adoro Madonna, Rihana, tudo o que é pop. Se colocar uma música muito down, não fico legal. Tenho que estar sempre na ativa. Quanto ao tempo, depende da obra. Às vezes faço em duas horas, às vezes em dois anos. Há obras mais trabalhosas, outras mais soltas e rápidas. Alguns trabalhos são mais árduos. Fiz um, no ano passado, em que havia 45 tons de verde no gramado. Leva tempo mais pela exaustão de fazer e concluir do que para formar a ideia.
GF – Você usa diversas linguagens e suportes em suas obras. Como escolhe qual usar? Tem preferência por alguma?
EV – Eu amo desenho. A pintura me seduz. Gosto muito de fotografia, mas acho muito cara e desvalorizada no Brasil. Além disso, trabalhar com papel é meio complicado, por causa do clima. Eu acho a performance muito legal, mas o artista se expõe demais. Como eu trabalhei muito com teatro e dança, isso facilita para mim. Acho que o desenho e a pintura são meus pontos fortes. No entanto, para orientar, você pode até não gostar de fazer, mas pelo menos tem que saber a “cozinha” da coisa, materiais, efeitos. Entender, para poder criticar. Sempre chega alguém com algo diferente, em termos de técnica.
GF – Você é rotulado como um artista profano, pelos temas que aborda. Qual a sua relação com a religião?
EV – Eu sempre trabalhei com a questão do sagrado e profano. Venho de uma família muito católica, do interior. No domingo, o padre ia almoçar na casa da minha avó. Fui coroinha, quase entrei para o seminário. Essas questões de religiosidade sempre foram muito importantes pra mim. Ao mesmo tempo, atrás deste questionamento todo, vem a questão profana. Eu acho que a vida é profana. Em uma época, fui muito a fundo nisso. Comecei a pesquisar relações sadomasoquistas, voyeurismo etc. Tudo isso começou a pipocar na minha cabeça. Depois trabalhei muito com a questão da Aids: até que ponto você precisa sentir dor, pra ter prazer. Como isso pode te dar a vida, mas pode te levar à morte. Eu trabalho com algumas cores de tinta: o preto para mim é a escuridão, a morte; o branco, o etéreo, que transcende tudo; o vermelho é o sangue, a vida, o que corre; e o prata é o frio, tem a ver com a questão da espera. Trabalhei com outros temas, hoje estou até mais light. A última exposição que fiz agora, no MON, com 104 desenhos, é uma coisa que apimenta essa questão sexual, com um pouco de religiosidade.
GF – Quando começou seu trabalho como orientador em Curitiba? Qual sua relação com os artistas que passam por seu ateliê?
EV – Faz 20 anos que tenho esse ateliê. Muitos dos artistas da cidade já passaram pela minha mão. É legal ver sua produção e ver que eles estão em um bom caminhar. Oriento quase 80 artistas de todas as idades, é uma mescla. Isso é legal, porque as pessoas de uma certa idade têm mais experiência de vida, já estão mais centradas financeiramente e têm maior disponibilidade de tempo. Quando eu comecei a orientar, houve um preconceito muito grande. As pessoas falavam: “Você vai orientar pessoas já de idade que podiam estar tomando chá, fazendo tricô ou jogando bocha?”. Essas pessoas deram retorno, alguns já trabalham com arte. Tenho orientandos com 87 anos de idade e um ótimo currículo. Normalmente, os jovens não têm grana, como bancar. Nem por isso eu deixo de orientar. O ateliê acaba virando uma família. Eu conheço netos, já fui padrinho de casamento, de batizado, conciliei casais que estavam se separando. Acaba virando tudo, não é só um vir e pintar.  A gente viaja junto, sai junto, tem esse convívio. Alguns passam e não gostam muito, outros param, depois voltam, muitos estão desde o início. A maioria fica muito tempo. Já devem ter passado por aqui entre 300 e 400 artistas, mais ou menos. Muitos hoje já estão muito bem, seguindo carreira. Além de eu construir a minha poética, como artista, tenho hoje o respeito de, como orientador, ser um polo de arte que foca cada um na sua intenção.
Na parede do ateliê, o “cachorro – piranha”, um símbolo da obra de Viriato.
Na parede do ateliê, o “cachorro – piranha”, um símbolo da obra de Viriato.
GF – Trabalhar como orientador não atrapalha seu trabalho como artista?
EV – Nunca abandonei meu trabalho como artista. Acho besteira aquelas coisas fantasiadas de que artista tem que sofrer, passar fome, cortar a orelha como o Van Gogh. Eu quero ser como qualquer outra pessoa: comer bem, vestir bem, como um médico ou dentista. Hoje a arte é muito marketing. Você precisa estar antenado e na ativa. Eu estou querendo agora lançar um livro que conta esses 20 anos de ateliê, para depois ir mais a fundo e voltar para minha carreira mesmo. Eu estava mostrando muito mais o meu pessoal. Agora eu preciso voltar a solidificar minha carreira, apesar de não parar nunca. Ano passado ganhei cinco prêmios em cinco salões. Isso soou como: “Não, peraí, você sabe o que está fazendo”.
GF – Você considera seus temas polêmicos?
 EV – Todo mundo fala de relacionamentos e acha que é só carinho e romantismo. Gente, isso é sorvete de baunilha. A questão é muito mais apimentada, há muito mais coisas que as pessoas nem imaginam que acontecem. Eu venho de um ateliê de Berlim, em que a coisa é muito mais aberta, isso me fascinou. Quando você mostra essas questões, as pessoas começam a te rotular. Não é que eu pego um assunto que é polêmico. Cada abertura de exposição minha, as pessoas ficam pensando o que eu vou fazer, mas tudo tem uma história, um conceito. A carapuça serve, mas você não coloca. Se você começar a analisar, vê que na sociedade todo mundo tem pensamentos muito iguais. Às vezes, não é mostrado, aberto ou aflorado. A arte é universal, ela vai ser entendida em qualquer canto. É uma faceta que eu coloquei. Não é que eu pegue o tema porque é polêmico, sou até contra isso. São trabalhos que têm um cunho de conceito profundo. Eu faço um trabalho diferenciado de cor, forma, composição, gestos, pincelada, traços, isso é importante e harmonioso. O papel do artista é registrar e contar uma história, um momento do mundo. Eu imagino daqui a uns 50 anos minhas obras ilustradas em livros, contando o passado. Eu estava mostrando uma época. O trabalho do artista é como o trabalho de um historiador. A arte não é só o belo. O trágico, polêmico, agressivo, isso tudo também é vida e memória.